terça-feira, 27 de dezembro de 2016

#28 - ÁRVORES DO ALENTEJO, Florbela Espanca

Ao Prof. Guido Battelli

Horas mortas… Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido… e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol posponte
A oiro a giesta a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis do horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
-- Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

#27 - OS MEDRONHEIROS, António de Navarro

Nos braços verdes, nus,
pousou um bando,
verde, leve,
d'asas glaucas
anunciando
o ocaso do inverno,
Cavalgada de Niebelungos que no longe se perde.

No estio,
o arnês,
do sol
se desfez
num chuveiro
d'oiro mole;
em cada gomo
-- um bago d'oiro
a tentar-me!

Quem me dera,
medronheiro,
como tu,
dar um fruto
que pudesse embriagar-me!

Escuto,
das seivas o corpo ébrio,
todo nu,
bailando no silêncio
rumoroso da floresta,
onde o vento canta
-- a eterna canção da gesta.

Os medronhos,
um a um,
vão caindo,
terminou o festim.
Nas taça, o vinho,
já tem sono,
já tem sonhos de mim.

E o outono,
pelo oiro do caminho,
vindo,
vem bailando
na dança-dos-véus,
dança das névoas.

Terminou o festim.
Principia a saturnália das folhas mortas.

sábado, 3 de setembro de 2016

#26 -INFÂNCIA (IV) (Carlos de Oliveira)

Chamo
a cada ramo
de árvore
uma asa.

E as árvores voam.

Mas tornam-se mais fundas
as raízes da casa,
mais densa
a terra sobre a infância.

É o outo lado
da magia.